Floriano Martins (Fortaleza,
1957) es un hombre que no necesita presentación. Su pasión por la literatura hispanoamericana,
especialmente por la poesía, ha rebasado las fronteras genéricas, geográficas, lingüísticas
y temporales. Poeta, ensayista, traductor, editor, agente cultural, crítico e historiador
de la literatura contemporánea es autor de los libros: Escritura Conquistada
(Diálogos con poetas latinoamericanos, 1998) y El inicio de la búsqueda (El
surrealismo en la poesía de América Latina, 2001) por nombrar sólo algunos.
Entre sus libros de poesía sobresalen: Alma en llamas (Brasil, 1998), Cenizas
del sol (Costa Rica, 2001), Estudios de
piel (Brasil, 2004) y Tres estudios para un amor loco (México, 2006).
En la actualidad dirige, junto a Claudio Willer, la revista Agulha (www.revista.agulha.nom.br), publicación de circulación virtual que este año recibió el Premio Antônio
Bento de la ABCA –Asociación Brasileña de Críticos de Arte– como mejor vehículo
de comunicación cultural del país, y es coordinador del proyecto Banda Hispánica,
del Jornal de Poesia (www.jornaldepoesia.jor.br/bhportal.htm). Dentro de su importante labor de difusor de la literatura, coordina la próxima
Bienal Internacional del Libro de Ceará que se realizará en noviembre de 2008.
[AP]
ADLIN PRIETO A pesar de ser un hombre
tan polifacético, el oficio de poeta priva en usted por sobre los otros. ¿Por qué?
FLORIANO
MARTINS
Quando digo que sou essencialmente poeta evidente que isto não me restringe à criação
de poemas. Significa dizer que lido com todas as coisas à minha volta a partir de
uma perspectiva da poesia. Significa dizer que pragmatismo ou lucidez organizativa
são aspectos que não seriam possíveis em mim se antes não houvesse um sentido poético
avançando firme. Desta forma, o trabalho como produtor, pesquisador, ensaísta, tradutor
e editor persiste de forma complementar ao poeta que sou, e não como uma atividade
à parte ou de caráter mais decisivo em minha vida.
AP Su obra poética está signada
por la “tradición” barroca y surrealista, es decir, por un espíritu de libertad,
por la experimentación formal, por el exceso (en el mejor sentido del término),
por una apuesta y un compromiso por/con la creación. ¿Cómo se relaciona esto con
sus otros roles?
FM Eu sinceramente não creio
que o espectro possa definir-se somente no âmbito do barroco e do surrealismo. Há
uma variedade de referenciais identificáveis por mim e há também a parte inconsciente
que fala independente do que pensemos a respeito. Há também as referências não-literárias,
que eu diria são ainda mais fortes em minha poesia. Todo aquele mundo espectral
que salta das gravuras de um William Blake ou das síncopes dos concertos de Keith
Jarrett. Este ir e vir no tempo, referências pan-temporais. Estruturas cênicas.
Uma paixão especial pelo enredo (narrativa, teatro, cinema, comics), pela trama. Todos estes são aspectos
essenciais para a minha poesia. As demais atividades em que estou envolvido são
como os diversos pontos necessários para se fiar uma teia existencial. Minha relação
com todos estes pontos está na raiz do Abraxas
com que habitualmente me despeço dos amigos: um sinal de integridade em tudo o que
faço.
AP ¿Sus reflexiones sobre la dimensión
política del arte responden a la relación de intimidad que el surrealismo proponía
entre vida y obra, al humanismo poético?
FM Ah o humanismo poético de que falava Enrique Molina,
este magnífico poeta argentino, cuja poesia, com aquele caudal imagético que é intensamente
amazônico, um mergulho na selva do ser, com uma profundidade que não se separa em
momento algum do que lhe é exterior, um equilíbrio magnífico alcançado entre o léxico
e a vertigem das imagens. Sim, o político é parte de nós, e deve sê-lo com a mesma
intensidade do erótico, do místico, enfim, a mesma intensidade orgânica, porque
não há metafísica sem seu correspondente orgânico, assim como não há arte que seja
verdadeiramente expressiva sem sua consciência de atuação.
AP Sus collages apuestan por un discurso otro alejado de las limitaciones de
la disposición tipográfica. Pienso en Estudios
de piel (2004) y Alma en llamas (1998)
por ejemplo. ¿Cómo se vincula este tipo de imagen, que al fin y al cabo sigue siendo
una representación de la escritura, con la palabra poética?
FM A princípio tratava-se de
um diálogo entre duas formas de manifestação criativa, porém do ponto de vista do
poético. Mesmo quando eu fazia colagens não necessariamente para incluí-las em meus
livros, eram sempre pensadas como uma conversa com este ou aquele campo de visão
da linguagem poética. Hoje o diálogo permanece. Evidente que ganhou maior cumplicidade,
porém com um equilíbrio mais nítido entre o poético e o plástico. As duas linguagens
funcionam hoje como representação uma da outra, em igual intensidade. E se representam
igualmente estando ambas em um mesmo cenário ou atuando em separado. Penso agora
finalmente em fazer uma exposição somente com as colagens, por exemplo, o que antes
me parecia algo improvável. Assim como o poema foi buscar para si recursos do teatro,
da crônica policial, do romance, as colagens se apropriaram de recursos ligados
à escultura e ao vídeo.
AP Alma en llamas (1998) es un libro donde el ser palpita y las pasiones
galopan sin menoscabo de la razón e incluso de lo filosófico. Lo trágico y lo lírico
también están presentes, sobre todo en el extenso poema titulado “Los tormentos
miserables del lenguaje y las seducciones del infierno en los instantes trágicos
del amor de Barbus y Lozna”. ¿A qué respondió la escritura de este poema en español?
¿Por qué decidió publicarlo en portugués e incorporarlo a este texto? ¿Cómo se vinculó con el resto
de la publicación?
FM A decisão veio da constatação
de que o exercício criativo começava a dar sinais de repetição, quando as soluções
poéticas davam volta em torno delas mesmas. Escrever em outro idioma forçaria a
eliminação desses pequenos vícios retóricos. Foi uma decisão valiosa, que resultou
em um acento mais forte dessa relação entre os recursos líricos e trágicos de minha
poesia. Este largo poema, “Los tormentos miserables del lenguaje y las seducciones
del infierno en los instantes trágicos del amor de Barbus y Lozna”, permitiu uma
aproximação maior de meus escritos em relação ao teatro. Foi inclusive decisivo
na publicação de um livro intitulado Teatro
Imposible (Venezuela, 2008). O poema situa-se nos domínios do amor impossível
sob vários aspectos. A parelha que é separada pela morte de um de seus componentes
também pode ser uma leitura do mito do Andrógino. O livro Alma em chamas (Brasil, 1998) está armado como um cenário multifacetado
dos grandes conflitos existenciais. Supondo a existência de um protagonista único
que atravessa todo o livro, as variações se dão na forma de capítulos, passando
por dilemas como a perda dos familiares, o amor impossível, os tormentos da linguagem,
as fraturas sociais etc.
AP ¿Qué significó escribir en
una lengua otra un poema propio y traducirlo luego al idioma materno?
FM Não foi propriamente uma
tradução. Como se tratava de um poema meu, pude então alterar passagens em que melhores
soluções foram encontradas sugeridas pela nova sintaxe. Além disto, quando fui publicar
a versão original, que integra o livro Tres
estudios por un amor loco (México, 2007), uma vez mais surgiram novas opções
no caso de várias passagens.
AP ¿Por qué traducir, fungir de
traductor? ¿En su caso hay algo lúdico en ello, en el acto de trocar las palabras
para convertir el texto que es en el que va a ser?
FM Em geral, tradutores tendem
a considerar-se, em relação aos autores que estão traduzindo, cúmplices na criação.
Não há dúvida que se trata de cumplicidade, embora na maior parte dos casos se trate
mesmo de um negócio. O negócio da tradução. Agora, não estou bem certo de que a
cumplicidade possa ser entendida no sentido de uma criação paralela, como se a tradução
fosse um gênero literário. A diversidade cultural está, sob vários aspectos, fundada
na diversidade lingüística. E não me refiro à língua pura e simplesmente, porém
a seus matizes e acentos, o que faz com que se distinga o modo de expressar-se de
vários povos que falam a mesma língua. Há ainda as distinções de natureza estilística,
do grau de experimentação do léxico e da ortografia etc. Muito disto naturalmente
se perde na tradução. Muito mais do que os aspectos ligados a ritmos e rimas, por
exemplo. Eu me sinto um cúmplice do autor que estou traduzindo mais no sentido de
que assim contribuo a reduzir o abismo que o separa de leitores do meu próprio idioma.
E o faço com toda a honestidade que a cumplicidade requer. Nada mais. Quando ao
aspecto lúdico que mencionas, eu diria que a tradução permite uma intimidade maior
com a obra que estamos lendo. Seria algo mais intensamente erótico do que a leitura.
Creio que quando traduzimos um texto é quando verdadeiramente vamos para a cama
com ele.
AP En cuanto a la relación lengua/arraigo,
¿comparte la postura del novelista carioca Per Johns: “El
arraigado es uno con su lengua. El bilingüe es dos y ninguno”?
FM Este é um ardil. Pobre poliglota,
o que seria então? (risos) Evidente que a língua nos distingue, nos permite a multiplicidade
cultural, por exemplo. Porém a diversidade de caráter percebido dentro de uma mesma
comunidade lingüística nos leva a pensar que falta algo na consideração do Per Johns.
De uma maneira geral somos dois e nenhum independente da condição bilíngüe. Somos
dois e nenhum porque a realidade em nosso tempo, particularmente em nossos países,
nos leva a uma condição existencial no mínimo ambígua. A rigor, nos leva a um esfacelamento
do caráter. Vivemos em sociedades atônitas que não sabem (mais) dar uma resposta
equilibrada à avalanche de ansiedades que nos são cotidianamente impostas. De alguma
maneira, o grande exílio hoje se verifica dentro da língua, ou mais: dentro do ambiente
cultural em que age cada língua.
AP ¿Cómo se despierta su interés
por la traducción? ¿Responde, de alguna manera, a sus vinculaciones con la literatura
en español?
FM Sim, eu comecei a traduzir
exatamente do espanhol, motivado por uns livros que ganhei de presente cujos autores
eram desconhecidos no Brasil. Foi meu primeiro impulso: traduzir alguns poemas para
publicar na imprensa em meu país. Não recordo bem se César Vallejo ou Vicente Huidobro
ou Oliverio Girondo. Logo surgiram possibilidades de traduzir autores ingleses,
italianos e galegos. Aos poucos fui conhecendo melhor o idioma espanhol e, sobretudo,
me apaixonando pela diversidade estética de suas literaturas, algo impressionante.
Até que passei a traduzir somente do espanhol, já com um propósito distinto, que
assumia uma conotação política e me distanciava da condição de tradutor apenas em
seu âmbito mercadológico, de contrato editorial. Eu quero recordar aqui uma aventura
que foi de grande importância para mim: quando eu morava em São Paulo, na primeira
metade dos anos 80 do século passado (ah como é estranho falar em século passado),
tive a ousadia de propor a um grande poeta do meu Estado (Ceará), Francisco Carvalho
(1927), um exercício de tradução que, a rigor era um exercício de convívio mais
intenso com a obra em questão, do livro Altazor,
do chileno Vicente Huidobro. Carvalho é um poeta fundamental, cuja poesia foi de
grande importância em minha adolescência, de maneira que sua concordância possuía
para mim um significado à parte. Ao longo de alguns meses traduzimos os 7 cantos
de Altazor, conversamos a respeito etc.
Jamais pensamos em publicar o livro. Para nós, o que estávamos ali realizando era
um ritual de intensificação de nosso conhecimento do espanhol e da poesia em si.
Foi uma valiosa experiência.
AP ¿Desde
cuándo y por qué ha establecido vínculos con escritores de habla española?
FM Vamos diversificar o sentido
do que chamas “vínculos”. Há o sentido do conhecimento através da leitura, assim
como outros: o convívio pessoal, a correspondência epistolar e até mesmo a aproximação
por natureza contratual. Na infância não era comum acesso a literatura de língua
espanhola, de maneira que demorei muito a conhecer qualquer literatura neste idioma.
Seguramente Cervantes foi o primeiro. Porém o impacto maior foi quando li Federico
García Lorca. Li Pablo Neruda antes, porém não me causou a mesma impressão. É curioso
que eu tenha lido primeiramente, em português, autores que depois foram traduzidos
por mim. Dois exemplos: o próprio García Lorca e o cubano Guillermo Cabrera Infante.
Outro vínculo fundamental foi de natureza epistolar. Creio que o mais importante
destaque aqui é minha extensa correspondência com o crítico espanhol Jorge Rodríguez
Padrón, que me ensinou muito a respeito de poesia hispano-americana. A partir deste
diálogo pude conhecer muitos autores, dando início a um extenso contato epistolar
que define todo o trabalho que sigo realizando. Pela ordem, o último vínculo é o
do abraço físico, da troca de olhares, da amizade finalmente conquistada e definida.
Este vínculo não é possível sem a presença das viagens. Conheço praticamente todos
os países de língua espanhola. E tenho me encontrado com inestimáveis expressões
literárias desses países nos diversos encontros internacionais que compartilhamos.
É fundamental destacar a existência desses eventos, que permitem o diálogo, a descoberta,
a confirmação, a continuidade de uma série de projetos sem os quais nosso abismo
cultural seria ainda mais intenso e violento. Ainda me indagas o motivo para tudo
isto, para meu vínculo com esta literatura. Embora eu ache que está bastante implícito
em nossa conversa destaco que havia uma biblioteca na casa de meu pai, que foi responsável
pela minha formação literária em um primeiro momento, e que quando comecei a ouvir
nomes da literatura de língua espanhola soavam estranhos para mim, todos desconhecidos.
Isto significava uma falha de formação.
AP ¿Cómo circula la poesía de expresión española, sobre todo la latinoamericana,
en Brasil?
FM Não circula. A ideia de
circulação é o primeiro equívoco que deve ser explicado. Editar e circular são duas
coisas distintas. Creio que isto se passa em grande parte do mercado editorial no
mundo. Por vezes temos um convênio que permite a edição de um livro. Porém o livro
não circula, não há distribuição, ou divulgação ou venda. O autor está publicado
no país, e até tecnicamente impedido de que volte a ser reeditado, porém sem circulação
alguma. Isto é o que se passa com a grande maioria da literatura de língua espanhola
no Brasil, ou seja, à exceção de casos como Jorge Luis Borges, não há circulação.
Nada. É preciso insistir neste detalhe: não conhecemos no Brasil a grande literatura
de língua espanhola, com sua extensa e intensa diversidade, de épocas, estilos e
países. Nada. Algumas editoras se interessam pelo tema, porém há em muitos casos
uma imensa dificuldade na negociação de direitos autorais com a família, quando
se trata de autores mortos. Há um abismo cultural imenso entre nossos países. Uma
possibilidade de se remediar tal situação? Apoio institucional. Não digo apoio financeiro
isoladamente, mas sim, sobretudo, apoio na liberação de direitos autorais. A criação
de co-edições entre editora brasileira e governo desses países, isto seria brilhante.
Já avançamos algo no que diz respeito a uma parceria com Portugal. Há editoras brasileiras
interessadas na criação de coleções dedicadas à literatura hispano-americana. Mas
precisam de apoio institucional. Há que pagar direitos autorais, tradutores etc.
Tudo isto é fundamental.
AP ¿Más
allá de las ferias de libros y las bienales de Literatura, hay un espacio dentro
del campo cultural brasileño para la literatura escrita en español? ¿La academia
brasileña la aborda como objeto de estudio?
FM Não, não temos a menor preocupação
com o idioma espanhol, o que inclui sua literatura. Mesmo a atenção para acordos
comerciais, acordos de fronteira, eles não consideram a importância do conhecimento
da língua. A literatura em si é um objeto absolutamente à parte dentro deste ambiente
de negociação de poderes de fronteira. Insisto no termo, porque não me parece que
nossos países estejam interessados em uma vital cumplicidade de definição de espaço
político de ação comum no sentido de auto-preservação da América Ibérica ou algo
similar. O mercado editorial no Brasil tem uma única porta aberta: para o que reza
a intempérie dos mercados editoriais na Espanha e Estados Unidos. Esta minha experiência
como curador de uma Bienal Internacional do Livro no Brasil me diz – e lamento profundamente
ter chegado a tal conclusão – que não há interesse algum entre nossos países por
uma aproximação cultural. O governo venezuelano está possuído por uma obsessão de
controle continental à qual ele não corresponde senão de maneira impositiva. O governo
brasileiro, por sua vez, até hoje não percebeu a importância de um diálogo com a
América Hispânica. A Academia, segundo, tua pergunta, é um esteio insignificante,
ela não representa nada que não seja a definição de um programa de governo. Acaso
imaginas a Academia Brasileira de Letras propondo cursos de língua espanhola e uma
série de conferências com autores de língua espanhola? Há isto na Venezuela, em
relação a escritores brasileiros? Há um Centro de Estudos Brasileiros na Embaixada
do Brasil em Caracas. O que ele tem feito pela difusão da literatura brasileira
na Venezuela? Há algo assim na Embaixada da Venezuela em Brasília? O que se tem
promovido ali? A relação cultural entre nossos países é meramente retórica, querida.
Devo agradecer imensamente aos esforços da Fundación Biblioteca Ayacucho, pela publicação
de vários autores brasileiros. Devemos isto aos venezuelanos. Porém as nossas academias,
que essencialmente são os nossos governos, não estão interessadas no assunto.
[2010]
[Entrevista
concedida a Adlin Prieto. Originalmente publicada na revista virtual El
Hablador # 16. Lima, Peru. 10/07/2010. Integra o livro O hábito do
abismo (Entrevistas com Floriano Martins), de Márcio Simões (ARC Edições:
Fortaleza, 2013).]
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